Meu terceiro carnaval na em Salvador serviu para derrubar alguns tabus, reforçar algumas certezas e observar algumas situações intrigantes.
1) Dos tabus derubados: o carnaval de Salvador não é essencialmente plastificado, elitista e previsível. Pude constatar isso na primeira noite saindo no Pelourinho no bloco "Oreia Seca", que me fez sentir nos carnavais de antigamente e deu até um gostinho de Olinda na boca, quando subi e desci algumas ladeiras. Tal convicção foi reforçada no restante da noite acompanhando Os Mascarados com Margareth Menezes.
2) Das certezas reforçadas: o cheiro mais característico de Salvador é o de xixi. Algumas áreas da cidade exalam odor de xixi o ano inteiro, mas no carnaval o odor se democratiza pra quase a cidade inteira graças ao reforço dos nossos visitantes que, rapidamente, aderem à "cultura" local. Segunda certeza, Ivete é mesmo maluca. A Dalila mexeu com todo mundo na avenida e, não satisfeita, fez gestos obscenos com a língua (da cobra em sua cabeça) para o governador durante a passagem de seu trio em frente ao camarote oficial do governo!
3) Das situações intrigantes: a alegria é democratizada mas a segregação ainda existe. Foi impossível não reparar nos cordeiros dos inúmeros blocos que vi passar. A maioria esmagadora dos trabalhadores é composta por negros (até aí compreensível se levarmos em conta que a maioria da população local também é cor de ébano) e, ao observá-los se acotovelando, suando em bicas e se contorcendo pra manterem sob controle a corda gigantesca que circunda os blocos foi impossível não estabelecer uma analogia a um navio negreiro, lotado de passageiros "brancos", sendo tocado a duras penas por uma legião de escravos. Não cabe aqui nenhum protesto contra as condições de trabalho dos cordeiros e algo do gênero, mas sim a constatação das inúmeras diferenças sociais que nos estapeam a cara a todo instante. Enquanto uns pagam rios de dinheiro (não sei o valor ao certo pois nunca paguei) pra sair num bloco ou frequentar camarotes estrelados nos dias de festa momesca, outros se acotovelam e trabalham duro por alguns trocados por noite, apenas pra terem o prazer de acompanhar de perto essa mesma festa, nem que seja por um ângulo diferente.